Especial 35 mil views - Entrevista SAMUEL LIMA



O Blog atingiu cerca de 35 mil visualizações. A cultura de rua ganhando ênfase e esclarecendo duvidas de todas as idades.

Troquei uma ideia com Samuel Lima  que é Assistente Social, mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas (FEBF/ UERJ), graduando em Pedagogia (CEDERJ/ UERJ) e produtor. O cara é fera quando o assunto é piXação! Dá uma olhada!

Samuel, conta qual a foi a sua maior inspiração para dar inicio ao estudo sobre o XARPI?
  • Minha maior inspiração pra essa pesquisa foi o pensar sobre a liberdade. Essa liberdade que a gente tem. Essa liberdade que é admitida, mas também aquela que é repugnante. Comecei a pensar sobre ela através de conversas com um amigo de infância que é piXador, o Pifil, que obviamente ganhou muitos espaços na pesquisa. Pifil é produtor pela Roda Cultural da Cidade Alta (Roda CDA), trabalha formalmente, é moleque preto cria de favela, que dá seus rolês pela cidade, inclusive como surfista de bodyboard. Nessa trajetória com o surf, onde tentei surfar, mas não conseguia, o que ganhava era o corte que eu e Pifil fazíamos pela cidade. Saíamos de manhã cedo de casa, porque a favela de onde somos cria, a Cidade Alta, fica longe da praia, na Zona Norte, já que a maior parte da região oceânica ganhável do Rio fica na Zona Sul. Foi nesse corte que Pifil comentou sobre uma característica diplomática da piXação, ou melhor, do Xarpi, sobretudo nos encontros, nas reuniões, que são chamadas de reu. Na reu, o moleque que antes era “alemão”, por morar em um lugar de facção armada de venda de drogas ilícitas divergente da facção da onde acontece alguma reu, perde esse status de “possível ameaça” no âmbito Xarpi. Pifil contou isso em 2012, quando a Cidade Alta, por exemplo, mantinha um conflito com Parada de Lucas, devido a essas disputas territoriais armadas de venda de drogas. Nessa época, nas reus da Alta, mesmo aquele Xarpi que morava em Lucas, ou algum outro lugar que não tinha a mesma facção que a Alta, ficava livre para participar desses encontros. Esse adjetivo criava outro fluxo com esses corpos, que me fizeram ir até a esses encontros, e me fizeram pensar e uma possibilidade de pesquisa que daria pra fazer uma troca com o mestrado, envolvendo educação, cultura e o último elemento que só veio entrar durante o mestrado: o racismo. Na verdade, o tempo todo, minhas inquietudes com a liberdade pensada quando eu trocava e cortava a cidade com o Pifil, eram assuntos que se perpetuavam na temática racial, fenômeno que acabou se tornando o objeto de minha pesquisa.

-Que pessoas te marcaram durante o trabalho e como?

  • Quem está no meu trabalho me marcou. Mas teve muita gente que aparentemente não entrou, mas marcou presença também. Tipo, a Ana, que é uma Xarpi feminina. Como eu trabalhei o Xarpi masculino, ela não entrou. Mas sempre estive trocando quando ela, quando possível. Ela também se tornou uma parceira nessa trajetória. Mas dizendo diretamente nomes, posso acabar falando da minha pesquisa em si, logo, comento deles, pois busquei sair da tangente de fazer algo sobre a piXação ou o piXador, e mergulhar mais com eles, diante de perguntas livres para serem interpretadas e respondidas. Domos me trouxe muita coisa que deu pra tocar em assuntos afrodiaspóricos, por causa da rua como lugar do negro, da resistência da liberdade não aceita. O Art acabou tratando disso também. Quando perguntei sobre a auto identificação própria da cor do corpo, deu uma dobra interessante também. O Pato, se mostrando como um Xarpi da nova geração desses egos rueiros, sempre polêmicos, mas de alguma forma cativante, e com uma intenção onírica de dar inveja pra muitas empirias. Minha imersão no carnaval do Rio, que me fez integrante de um desses grupos, que tem mais de 20 (vinte) anos de idade, a Legalize de Rocha Miranda, liderada por um Xarpi da sigla G80 (Geração 80), o Tora. Enfim, se eu parar para falar das pessoas que me marcaram nessa trajetória de dois anos de mestrado, vou acabar contando minha pesquisa inteira.

-Além da questão estética e infratória, porque a pichação é tão repudiada, visto que é uma liberdade de expressão?

  • Não sei se a piXação é liberdade de expressão. É um fenômeno que, talvez, vem antes. Ela pode se tornar até liberdade, que se admite em expressão, mas parece que existe algo maior que isso, por causa da priorização do corpo. O PiXador/ o Xarpi sabe que em uma única missão, pode ser morto, por exemplo, ou seja, na primeira vez que o cara saí pra piXar, pode morrer, e ele sabe disso, por bem/ bom ou por mal/ mau, justo pelas questões estéticas, a propagação daquilo que se enxerga como inútil, mas mesmo assim se faz. O desprezo é admitido na piXação. É crime, e mesmo assim a pessoa faz, gosta, concomitante com o sentimento de revolta, que pode ou não negar o crime, mas permite outros olhares sobre ele. “Criminoso é político, que rouba o povo, em vez de ajudar ele. Não somos bandidos. Somos revoltados! E um dia desses invado a sua janela. Você mesmo, que quer ver a gente morto! Um dia piXo a sua casa”, disse mais ou menos isso um deles, o Placa, Xarpi dos anos de 1990, outro cara de destaque na pesquisa. Ele mostra o repúdio da verdade colonial, que é provocada por Frantz Fanon, na publicação “Os Condenados da Terra” (1968). O repúdio com o piXador/ Xarpi é aquele conflito existente, admitido ou não, pois aparenta-se mais latente, aposto, nas questões raciais. A liberdade de expressão e a piXação pode trazer à tona a fantasmagoria do racismo, provocador de uma liberdade de verdade colonial e/ ou colonizadora.

-Pode-se afirmar que a pichação é da periferia, ou qualquer indivíduo pode se tornar um pichador se quiser?

  • A piXação é um fenômeno da vida, pra quem tem disposição, independentemente do que for. Não tem tamanho, largura ou alguma outra mediação certa. A piXação se basta, porque se mantém como enigma, alimentado pela impossibilidade de captura total. Qualquer um ou uma pode ser piXador/ piXadora, se entender que essa é, no imprevisível, uma prática de possibilidade morte.

Com a conclusão do seu mestrado, que mensagem você deixa para os jovens, principalmente pretos e pobres, que fazem do XARPI uma válvula de escape?

  • O que eu posso falar para pessoas que sabem que estão cometendo um crime, sabem como esse tipo de crime é tratado, em troca de liberdade? Que sejam felizes! Aguente os rojões de sua responsabilidade corpórea. A vida não é louca, o barato não é doido e o processo não é lento? Quem quer piXar, que fique vivo para contar suas trajetórias. Que sigam por aí falando de suas vidas, e de tudo, que eles, ou elas, contém suas próprias histórias.




Amanda belém

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